quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Ode ao dia feliz.

Hoje vou escrever - porque não? - de estar feliz.
Os meus textos nos demais dias são tristes,
depressivos e, pior que tudo, enfadonhos.

Hoje sinto-me com vontade de amar todo o mundo
e de sorrir dos meus gostos estranhos.
Hoje vou agraciar o meu gato chato,
o meu chato gato que mia como se
amanhã não houvesse um novo ano.

Hoje vou esquecer a crise,
as notícias deprimentes,
e vou correr por toda a chuva
a gritar-lhe, a ofendê-la,
e ao mesmo tempo, a indulta-la
por não mais me entristecer.

Hoje não me vou importar
com o tempo dado por inútil
e vou recolher todo o passado
num copo que beberei dum só trago.

Hoje vou agradecer por estar vivo
e por ser o que em mim vivi.
Hoje vou passear como quem nasce.
Hoje vou sentir, ver, respirar.

Hoje vou amar o outro,
como se fosse eu mesmo.

Hoje, nem que seja só hoje,
vou dizer que te amo
quando me olhar ao espelho.

Passagem de Emile Henri.

Era no tempo da palavra papel
da pluma bem comida lançando ideias de justiça aos chineses
da espingarda de ar podre ao ombro de cada um

Depois de ver com os seus próprios olhos como é que o ratazana
toma o seu cházinho
Emile Henri
escritor da literatura da dinamite
lança a segunda bomba à porta do Café Términus
dado que: da má distribuição da riqueza e das coisas boas da Terra
TODOS SEM EXCEPÇÃO TÊM MÁXIMA CULPA


Mário Cesariny.

[É importante foder ( ou não foder)?]

É importante foder( ou não foder)?
É evidente que não, não é importante.
Fode quem fode e não fode quem não quer.
Com isso ninguém tem nada
Mas mesmo nada
A ver.

O que um tanto me tolhe é não poder confiar
Numa coisa que estica e depois encolhe,
Uma coisa que é mole e se põe a endurar e
A dilatar a dilatar
Até não se poder nem deixar andar
Para depois se sumir
E dar vontade de rir e d´ir urinar.

Isso eu quis dizer naquele verso louco que tenho ao pé:
«O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é»
Verso que, como sempre, terá ficado por perceber( por mim até).
.............................................................................
Também aquela do «outrora-agora» e do «ah poder ser tu sendo
eu» foi um bom trabalho
Para continuar tudo co´a cara de caralho
Que todos já tinham e vão continuar a ter
Antes durante e depois de morrer.

Mário Cesariny. ( Toma lá um Cesariny)

Migração.

Ah
não me venham dizer
oh
não quero saber
ah
quem me dera esquecer

Só e incerto é que o poema é aberto
e a Palavra flui inesgotável!


Mário Cesariny. ( a prenda de Natal)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Paradoxo.

Viver para provar a inutilidade de qualquer acção humana.

Parvoíce.

Tenho tantas ideias...
Ó cérebro maldito
Porque me odeias
Se só te peço o infinito?

sábado, 29 de novembro de 2008

Casino.

No casino, o dinheiro rola ao ritmo da Sorte...
Jogador, nada neste Mundo é sorte!
-Jogador, jogando a tua vida até à morte...

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Resultado nenhum.

Queixas de um utente

Pago os meus impostos, separo
o lixo, já não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correcto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros.

Já não me lembro se o médico
me disse ser esta receita a indicada
para salvar o mundo ou apenas
ser feliz. Seja como for,
não estou a ver resultado nenhum.

José Manuel Silva
.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Não sabem eles o quanto me irrita ser-me.
Diz-lhes que não os queres para ti.
Esquece-te da hipocrisia.
Ensina-os a despir a máscara.
Não te juntes a eles.

-Cansas-me.

Um dia, mostraremos que não é por gritar mais alto, que somos melhores e mais nobres que todos os outros.

Caloiro da Faculdade de Letras do Porto.
08/09

domingo, 12 de outubro de 2008

O bem é cinzento.

Queres gozar com todo o Mundo?
Mostrar-lhes como estão errados?
Como são fúteis, inferioridades que não atingem a verdade suprema. A tua.
Sabes, eu olho por ti. E tenho-te pena.
Não sabes tu que ninguém está bem nem mal?
Que vamos estando.
Que vamos julgando saber o que fazemos,
escondendo o facto de estarmos mais e mais perdidos,
mais e mais imersos na escuridão e no vazio.
Não, não nos julgues. Como podes tu julgar-nos?
A sessão ainda mal começou

e o tribunal só decide no final.
Não finjas estar bem, saber o que fazes,
ser, sei lá, feliz... Não!
O mal somos nós que o fazemos. E o bem
é cinzento, e cada vez mais escuro.

sábado, 11 de outubro de 2008

Travessa da Pena.

-Anoitece no Porto e em mim.
As gaivotas ecoam pelos ares, acompanhando
o murmúrio longínquo do rio.
Reles, contemplo os cadáveres sumiços.

Porque é que falamos do que não
temos força para fazer?
Porque é que não dizemos o que
só pode ser escrito?

Quero fazer. E calar as gaivotas até ao infinito.

Saber é tanto uma prisão, como
um contentamento, mas leve, sempre leve
que nos prende, impiedoso como a chuva
de Novembro.

Elas voam, voam para longe de mim.
Cansado de nascença, triste de tudo,
infinitamente complexo, estapafúrdio.


Quero cantar as minhas letras,
congelar o tempo, o Mundo, a relatividade.

-Se ao menos me perdesse sem jamais me encontrar
nos teus olhos. Mas tu sabes, tão bem quanto eu,
não existir.

(Não existes, desistes.)

Escrever, vão egoísmo.
Palavras, como as gaivotas, larguem-me,
não se calem, nem me regressem.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Languidez.

Não há nada que me faça pegar a caneta
Não há nada que me faça sonhar
Todo o poema é mau feto em tubo proveta
e eu, poeta do Mundo a acabar.

Quadra a João de Deus.

De Deus te fizeram
De Deus nasceste
De Ele mesmo te deram
a luz que nos acendeste.

domingo, 5 de outubro de 2008

A pausa

foi devida, tipo, a cenas...

Fingidor.

Será que não te vou levar
comigo, na viagem de que não podemos fugir?
Diz-me que não, diz-me que talvez,
diz-me tudo. E esquece-te de ti.

Não, não podemos estar um sem o outro.
Tu sabe-lo, diz-me que o sabes.
O que se passou? Não me deste a mão
durante tanto tempo...

Será que tudo se repete, e o meu filme
é ser vazio, estranho, a gota de chuva
no dia mais límpido de Verão?

Não me dás a tua mão há tanto tempo.
Lembras-te...? Talvez não. Talvez vivas só dia-a-dia,
e esqueças que o teu destino sou eu.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Simples.

Há três tipos de pensamento:
Aquele que expresso;
o que só imagino
e aquele a que jamais tenho acesso.
O que lá é não determino...
Será razão ou sentimento?
-Assim me fico com este tormento.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Mérito.

Depois de ver
"A vida normalmente"

I
A injustiça começa à nascença, diz-se.
E o poeta pensa, o poema, e, com ele, o seu criador cresce.
Crescem, lado a lado, num turbilhão
de ideias, procurando, lentamente,
definição. Alma. Palavra. Concreto.

II
Crianças, quase adultos, nunca adultos,
como o poema. Ser criança é querer mudar o Mundo,
e acreditar. Quando tudo são escombros,
acreditar. Mas a linha da vida, como o poema,
é frágil. E foge, desvanece-se, imersa num sonho cruel,
na linha da frente da batalha, aparentemente perdida.

III

O meio faz-nos ou somos nós que fazemos o meio?
O poeta debate-se, esta é toda a sua vida.
Um homem pára, olha à sua volta, julga compreender,
procura compreender e interroga-se.
Todo o Mundo é nada, naquele segundo.
E, no vazio, tudo se cria.

IV
Não encontra definição. Escreve, como uma pergunta
infinita. A linha definha, foge, desvia-se do caminho.
Tudo volta a ser nada. E, rastejando, acredita. Está
tudo em nós. E a crença é o fim e o eterno
ínicio, para o homem que se constrói.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Absurdos de uma quinta-feira à noite.

Quantas filosofias
não criou já o meu vizinho
fumando o seu cigarro, enquanto observa,
da varanda, o Mundo?
Todas as noites, o seu olhar,
como que penetrando, no
recôndito
mais amargo de cada alma...
*
Espero fora da
nova loja ...

À minha esquerda, um homem
calvo, sonha (as revistas têm
esse poder) com os carros
que nunca terá-

Uma mulher com compras...

Como lhe pesam nos braços
frágeis... (Talvez lhe
pesem pelo mês inteiro)

A curiosidade
ingénua, naive,
bonita
da menina espantada

com o aquário cheio de peixes
dos mares por descobrir...

-E eu...
Espectador eterno...
Nascido para ver,
para reparar...
[ No pulsar inesgotável
do Mundo.
*
E agora, sozinho em toda a noite...
Não adormeço
porque há tantas estórias
por contar...

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Desabafo.

Não. Parem. Chega. São demasiados anos. Não aguento. A vossa voz...
Não estou onde quero estar. Talvez nunca esteja onde quero estar.
Calem-se, por favor. De certeza que isto não faz bem a ninguém.
Não, não fales comigo. Já devias saber que só estou sozinho, quando durmo.
Talvez nem aí. E é tudo o que prezo. O meu desassossego de
nunca estar onde quero estar. Só queria perceber-te.
A cabeça pesa-me, pesa-me, como se estivesse por cair, independente
de mim. Não fiz mal a ninguém, talvez porque nunca fiz nada.
Nunca fiz nada. Nunca estou onde quero estar.

Quero sair daqui. Vou sair daqui. Sim, é isso que quero.
Já não tenho idade para utopias. Independência. Isso, apenas isso.
Independência. Nunca fiz nada. Nunca estou onde quero estar.

Escape.

"Para ti é escrever. Para mim é o basket."

E há tanta metafísica nisto
e, ao mesmo tempo, tanta simplicidade que o poeta devias ser tu.


Auto-retrato.

Sou um cristão sem fé. A minha Bíblia é Pessoa. A minha crença é ser Humano.

O convite.

Certo dia, ao sair da escola
a carteira caiu-me. Lá dentro, um convite
p´rá a bola.
Um senhor
disse "Ah! Gente rica, até tem bilhete p´rá bola!"
E eu, sem saber se me ouviu, disse "É convite"
E vim-me embora a pensar
que, para mim, bola só mesmo com convite.
Por isso, ó nobre senhor,
peço-lhe, por favor
que, da próxima vez, evite
comentar o infortúnio alheio,
que nesta casa, é preciso cair terra e mar
para se ir à bola.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Mulheres.

Elas sorriem quando querem gritar.
Elas cantam quando querem chorar
Elas choram quando estão felizes
E riem quando estão nervosas.

Elas brigam por aquilo que acreditam.
Elas levantam-se para injustiça.
Elas não levam "não" como resposta quando
acreditam que existe melhor solução.

Elas andam sem novos sapatos para
suas crianças poder tê-los.
Elas vão ao medico com uma amiga assustada.
Elas amam incondicionalmente.

Elas choram quando suas crianças adoecem
e se alegram quando suas crianças ganham prémios.
Elas ficam contentes quando ouvem sobre
um aniversário ou um novo casamento.

Pablo Neruda.

Diz que sim.

E posto que viver me é excelente
cada vez gosto mais de menos gente.

Agostinho da Silva.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Labirinto.

"Perdi-me dentro de mim/Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,/ É com saudades de mim."-
Dispersão, Mário Sá-Carneiro.

Sonho, um dia, encontrar-me
no final do labirinto.
Enfrentarei monstros diabólicos,
distâncias enormes, becos sem saída
e desorientação permanente.
Rastejarei, de joelhos bem no chão,
pedirei clemência ao tal Deus desconhecido
e rezarei sem rezar por salvação.
Suportarei o sol extenuante,
tempestades e as amarguras todas de São Pedro.
Não me perderei mais, porque perdido estava.
Mas chegarei ao fim!
E direi, alegre de mim, Ah, aí estás tu!
Eu.

domingo, 31 de agosto de 2008

Tenho

uma dívida para contigo. Prometi que te amava para sempre e ontem esqueci-me de o fazer.

sábado, 30 de agosto de 2008

Gosto

de pensar que olhas para mim, sempre que te vejo pela pequena janela do messenger.

Prometes

que se te roubar esse sorriso me segues até ao infinito?

Sunshine.

Não te conheço,
porque não me conheço.
Tu conheces-te ou tens a
faculdade das pessoas complicadas
de ser sempre um alguém novo?
- Eternamente desencontrado
do alguém que se quer ser.
Conheci-te ( mesmo que ainda
não te conheça) a sorrir.
E agora, sei que errei, e que erraste
e que estamos onde não sabemos estar.
E que se sorris e se eu sorrio,
por vezes, é um sorriso cheio de dor,
que escondo, que finjo não sentir,
mas que, como avalanche, volta
quando volta o vazio, o hábito, a solidão.
Falo de mim, porque sou, e ser é ser
egoísta. Esqueci o teu dia ( todos os dias
deviam ser os nossos dias, os dias
de sermos especiais), absurdamente

e sem razão,
esqueci o teu dia.
E não sei se te magoei, nem sei se te
magoo em cada gesto, irremediavelmente
frio, eternamente desagradecido, ingrato,
frio, frio, frio, desprezível pela irracionalidade
de não (me) acreditar.
Não falarei mais de mim. Aceita, por favor,
aquilo que se devia evitar, mas nunca, nunca
se evita. E continua a agraciar-nos com
a beleza dos teus gestos, a leveza do teu sorriso
e com as tuas palavras
ora doces, ora amargas, que nos acolhem,
nas sextas e nos sábados em que somos
os últimos a sair.

Dez palavras de nós.

- Para nascer, precisei de ajuda. Para viver, de ajuda precisarei.

- Tudo o que fui, esqueci. O que serei, não sonho.

- Cagada, inconsciente, feliz, bebâda, consciente, idealista, racional, sonhadora, confusa, feliz?

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

O segredo.

Na tua vida,
vai sempre haver momentos,
que preferias ter passado
doutra maneira.

Pessoas, que
te magoarão,
que te farão falta,
ou ter saudades.

Situações
em que desconfiarás se
existe um Deus,
ou
sequer se é justo.

Na tua vida,
vais fracassar,
cair espectacularmente
ao chão e
mergulhar em toda
a lama.

Na tua vida,
sentir-te-ás, muitas vezes,
sem apoio, abandonado,
descrente.

Na tua vida,
vão haver perguntas,
muitas perguntas
e poucas, sempre
menos, certezas.

A tua vida,
já o viste,
não vai ser fácil.

Mas, na tua vida,
tens escolha.
Sempre.

Porque a vida
é a maior obra criadora
torna-te
o seu mestre.

E surpreender-te-ás,
ao perceber
que tens tempo para tudo.

Prisão.

Silêncio, que eu vou ser feliz!
Feliz, feliz para toda a eternidade
Esquecer todas as mágoas e a saudade
E ser tudo o que sempre quis!

Vou fazer as malas para a insanidade!
Vou esquecer tudo o que não fiz!
Ser campo, mar, serra, infinidade!
E perder o significado do que é ser infeliz!

Louco de mim, atingirei a redenção
Porque sou sempre o que não se contenta
Foi na loucura que encontrei a melhor maneira de ser são!

(E é o querer fugir de tudo, sem conseguir!
- a pior prisão é aquela que se inventa -
E agora, que fazer, que estou louco, sem de mim poder fugir?)

E é amar-te assim.

Nunca acreditei no amor.
E agora,
se te peço para
estares comigo
sei ser puro egoísmo.

Porque, sabes,
habituei-me a ti.
Ao teu sorriso,
sempre que caminhávamos
em direcção do outro
vindos do comboio do infinito,
onde mora a saudade.

Habituei-me ao teu olhar,
desconfiado, esperançoso,
longe de tudo, sonhador...

Nunca acreditei no amor.
Mas, sabes, habituei-me
às tuas mãos em mim.
Às tuas mãos pequenas,
com as marcas daquele acidente
de que me falaste e que não ouvi.
Sim, habituei-me ao teu toque.

Nunca acreditei no amor.
Mas habituei-me.
Até a sentir-me inútil ao teu lado.
(Nunca acreditei em amar alguém

superior a nós. É por isso
que não me afeiçoo a Deus.)

Habituei-me a lidar com o
seres perfeita. Perfeita não,
mas cintilante, radiosa, útil.

- O que éramos, somos
nós sem direcção -

Nunca acreditei no amor.
E não me vais ouvir dizer
como precisava de um beijo teu.
Porque se te quero comigo
é porque não preciso de mim.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Revolta.

Tenho pena de todos aqueles
que não podem sair do mesmo lugar,
São como eu. Mas como em mim viverá neles
o desejo louco de avançar?

Imóvel, quero viver o vento do caminho
os crepúsculos que enebriam, as livres noites de luar,
a vida sem limites, sozinho
ou com quem, por instantes, me quiser acompanhar.

Ó ânsia sempre nova de explorar o Mundo!
P´ra te obedecer entrei assim
na minha alma e não encontrei fundo...

Dizem que o Universo é curvo e lá tem fim.
O meu não tem; ou então é profundo...
Curiosidade maldita! Perdido seja eu que mergulhei em mim!


Jorge de Sena.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Sonho.

Na praça, as pombas voam em rodopio
E as crianças brincam de ingénuo entusiasmo

O vento sopra, sopra, sopra longe e frio
Encho-me de pensamentos de um absurdo doentio

Sonhando-me neste meu eterno marasmo.
E sinto-me cheio, cheio, cheio de vazio!

Ditadorzinho.

É um daqueles seres provincianos
(no sentido de ser iletrado, sem cultura)
com poder para coisa nenhuma, com danos
sem engano, e cargo por ganância e usura!

E eu pergunto-me por quantos mais anos
Por quantos mais anos, esta amargura
de ver um reles aprendiz dos antigos tiranos
a fingir-se perito na sua reles a dita, a dura!

E se o ditadorzinho ficar irado, possesso!
Mesmo que me instaure uma queixa, um processo
Mesmo que me fique com os meus últimos cobres

Mesmo que me faça quebrar até aos cacos
Não, não serei mais um dos pobres...
Não, não serei mais um dos fracos!...

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Ítaca.

Quando começares a tua viagem para Ítaca,
reza para que o caminho seja longo,
cheio de aventura e de conhecimento.
Não temas monstros como os Ciclopes ou o zangado Poseidon:
Nunca os encontrarás no teu caminho
enquanto mantiveres o teu espírito elevado,
enquanto uma rara excitação agitar o teu espírito e o teu corpo.
Nunca encontrarás os Ciclopes ou outros monstros
a não ser que os tragas contigo dentro da tua alma,
a não ser que a tua alma os crie em frente a ti.

Deseja que o caminho seja bem longo
para que haja muitas manhãs de verão em que,
com quanto prazer, com tanta alegria,
entres em portos que vês pela primeira vez;
Para que possas parar em postos de comércio fenícios
para comprar coisas finas, madrepérola, coral e âmbar,
e perfumes sensuais de todos os tipos -
tantos quantos puderes encontrar;
e para que possas visitar muitas cidades egípcias
e aprender e continuar sempre a aprender com os seus escolares.

Tem sempre Ítaca na tua mente.
Chegar lá é o teu destino.
Mas não te apresses absolutamente nada na tua viagem.
Será melhor que ela dure muitos anos
para que sejas velho quando chegares à ilha,
rico com tudo o que encontraste no caminho,
sem esperares que Ítaca te traga riquezas.

Ítaca deu-te a tua bela viagem.
Sem ela não terias sequer partido.
Não tem mais nada a dar-te.

E, sábio como te terás tornado,
tão cheio de sabedoria e experiência,
já terás percebido, à chegada, o que significa uma Ítaca.

Konstantínos Kaváfis.

Sem título.

Penso em ti no silêncio da noite, quando tudo é nada,
E os ruídos que há no silêncio são o próprio silêncio,
Então, sozinho de mim, passageiro parado
De uma viagem em Deus, inutilmente penso em ti.

Todo o passado, em que foste um momento eterno,
É como este silêncio de tudo.
Todo o perdido, em que foste o que mais perdi,
É como estes ruídos,
Todo o inútil, em que foste o que não houvera ser
É como o nada por ser neste silêncio nocturno.

Tenho visto morrer, ou ouvido que morrem,
Quantos amei ou conheci,
Tenho visto não saber mais nada deles de tantos que foram
Comigo, e pouco importa se foi um homem ou uma conversa,
Ou um povo omitido do mundo,
E o mundo hoje para mim é um cemitério de noite
Branco e negro de campas e árvores e de luar alheio
E é neste sossego absurdo de mim e de tudo que penso em ti.

Álvaro de Campos.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Eu.

o tempo passa
e eu não dou por ele.
eu passo,
e a vida não dá por mim.

Pois é.

A vida é a obra, mas a obra não é vida.

Dedicado.

todo o amor do mundo não foi suficiente porque o amor não serve
[de nada. ficaram só
os papéis e a tristeza, ficou só a amargura e a cinza dos cigarros e
[da morte.
os domingos e as noites que passámos a fazer planos não foram
[suficientes e foram
demasiados porque hoje são como sangue no teu rosto, são como
[lágrimas.
sei que nos amámos muito e um dia, quando já não te encontrar em
[cada instante, em cada hora,
não irei negar isso. não irei negar nunca que te amei. nem mesmo
[quando estiver deitado,
nu, sobre os lençóis de outra e ela me obrigar a dizer que a amo
[antes de a foder.


José Luis Peixoto.

Feliz.

Eu fui sempre o paradigma
da mediocridade,
o aluno do canto da
sala, disperso em si
o futuro-qualquer-coisa
sem história, nem resquício
de interesse

Eu fui sempre o sonho
sem caminho
a vontade sem força
a luta sem causa
a causa sem luta
o jovem sem capacidade
o velho sem conhecimento

Eu fui sempre o puto
arrogante
que escrevia
a perguntar-se porquê

E, quando me li,

tive vergonha de mim.

domingo, 17 de agosto de 2008

Rapidinha.

Tudo o que guardarão da minha vida
será a absurda recordação da
minha falta de jeito para viver

A vida irrita-me como um
mosquito impertinente
que tento afastar de mau-grado
com o jornal que não tive vontade
de ler

(Há tão pouco para fazer
E tão pouco por que lutar)

Sei bem o que sou
Sou o que sou
mas não o que queria ser

Talvez fosse mau
se eu me importasse
com o que sou

Também sei muito bem
o que não quero
Infelizmente
não sei o que quero

Não sou nada
Sou alguma coisa
um acaso
uma omissão
a fronteira entre o vazio
e coisa nenhuma
a saudade do mundo

o mosquito impertinente
que matei com o jornal
que não tive vontade
de ler

domingo, 3 de agosto de 2008

Carpir.

Eu não quero esperar uma vida inteira,
para que digam de mim,
"Ah, sujeito dedicou uma vida inteira a tal..."
Eu não quero esperar uma vida inteira,
pelo reconhecimento que só se têm
depois de uma vida inteira!
Uma vida inteira!...
Mas, é tanto tempo,
para quem está já tão cansado de existir...

Perdoem-me, ó convenções!,
não esperar grande coisa da vida inteira...
Quero morrer cedo...Sim,
quero que digam de mim...
"Ah, se sujeito tivesse dedicado uma vida inteira
a tal... Que pena foi, ter morrido assim tão cedo..."

Quero um coro de carpideiras no meu funeral
a chorar o que eu podia ter sido,
se tivesse paciência para a vida inteira!...

sábado, 2 de agosto de 2008

Ficção.

Não.
Já disse que não.
Já disse que não paro.

Deixem-me mergulhar fundo,
na minha prolixa inutilidade.
Mergulhar de cabeça com
o gosto absurdo de nadar
num rio com a foz em lado algum.

Eu sempre fingi perceber a História,
e gostar da Literatura, e de estudar
as grandes obras clássicas, os tratados,
as dinastias, e as dissertações dos Mestres!
Ah, como gostar dos maiores aborrecimentos da História!
E fingi gostar dos elogios das almas
caridosas, que pensavam que eu gostava
dessa prisão, a que se chamou pensar.

Ah, ficção de sujeito!...

Que riso macabro que não me apetece soltar
ao lembrar, estupidez, que elogiavam
um bandalho que não sabe ser!

Bocejo.

-Estes são os dias vazios em que nada acontece,
podia ser o nome do romance que vou ter a glória de não escrever.

Sinto-me cada vez mais sozinho.
Não sei onde estão os meus amigos...

E eu, tão propenso a melancolias,
tão fraco de espírito, tão prolixo na minha descrença,
queria somente uma mapa do porvir.


Apetece-me chorar. Sou um farrapo humano.
Tenho saudades dos amores que não tive e dos troféus que só sonhei...

Ah! Escrever infinitamente até
resolver o Mundo ou me resolver a mim!

Está tudo em que não pensa.
Em quem não pensa.
Em quem não pensa.
Em quem não pensa.

Vingo-me dos reles, dos preguiçosos,
dos vis, dos cobardes, das corjas pútridas,
do Mundo... Vingo-me de já não saber o que sou!
Neste absurdamente inútil gesto de escrever...


Às vezes, perco-me imaginando porque vivem os outros,
os desgraçados, os da sem-fortuna
e penso sentir uma mágoa infinita,
que nunca saberei descrever, por não encontrar resposta.
Mas alegro-me por eles, por serem eles e não eu.

Mas esperem...
Onde é que eu
já ia sem travões
na auto-estrada do que não há?...

(Ah, o longo bocejo de fingir ter escrito
tudo isto!...)

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

É isto.

Eu não quero que pensem como eu.
Eu quero que pensem.

Insónia.

Toda a noite não dormi.
(A solidão que não me larga.)
Nada do que penso escrevo
porque o que penso,
não serve para ser escrito.
Tinjo-me da insípida
cor da falta de glória.
Desmascaro os meus sonhos.
Atiro a razão pela janela.
A minha alma é uma cidade
fria, sem rio, nem mar
onde não estou.


Ah, vida! troco-te
por uma boa noite de sono!
...

Madrid, 28 de Julho de 2008.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

É verdade.

Adoro fracassar para escrever sobre isso.

Dia feliz.

Foi um dia luminoso,
aquele em que me apercebi
que não precisava de viver,
nem sequer de ser feliz.

Que se resolveria se eu fosse feliz?

Munido por esta não-resposta,
Criarei, por mim e pela Humanidade,
assolado pela dúvida: Como ser
original num Mundo onde já foi tudo dito?
Criarei, não-vivendo, procurando não-morrer.
Criarei, com o solo objectivo de aproximar
a humanidade do Humano.

Quero morrer no dia em que não tiver
mais nada para dizer.
Entretanto, preciso de génio,
e não de nome.

Razoável.

Uma razão para ler um livro: falar contigo.
Uma razão para escreveres: falares contigo.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Lamúria rápida.

Que sei eu da vida para me queixar dela?

Queixume impaciente.

Tenho saudades do futuro.

Podridão.

(Resposta à Bárbara)

A noite. Cismo, medito, quase enlouqueço!
Podridão, cara amiga, sempre a houve!
Debato-me comigo, vagueio, entonteço
Clamando a Deus, sabendo que não me ouve

Ah, fina-se a humanidade! A que preço?
Seremos algo que se louve?
O frio. Amiga, quase que me esqueço
de mim. O bem, será que algum houve?

Mas porque enquanto houvermos, o Mundo não pára
Cá estaremos para ir pondo o dedo na ferida
Nadando sempre contra a corrente

Inquietos na inquietação permanente
desta loucura a que se convencionou chamar vida
Fazendo da poesia, arma da paz, como o grande Victor Jara!

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Antonio Machado.

"No extraiñes, dulces amigos
que esté mi frente arrugada;
yo vivo en paz con los hombres
y en guerra con mis entrañas."


Proposta de tradução:
"Não estranhem, doces amigos
esta minha face enrugada;
eu vivo em paz com os homens
e em guerra com as minhas entranhas."


"Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
Se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino
sino estelas en la mar."

Proposta de tradução:
"Caminhante, são as tuas pegadas
o caminho, nada mais;
Caminhante, não há caminho.
O caminho faz-se caminhando.
A caminhar se faz o caminho,
e a olhar para trás
vê-se o caminho
que nunca se voltará a pisar.
Caminhante, não há caminho
apenas rastos no mar."

Antonio Machado, Campos de Castela.

Voar.

O dia límpido.

Pergunto a um passarinho
porque voa,
mas ele não responde...

domingo, 27 de julho de 2008

Fui.

De viagem em viagem
-Perdido de mim
Sou apenas a paisagem...

Das Portas do Sol à Gran Via
vou mendigando a quem passa
por um pouco de alegria...

Formiga no infinito da cidade
A minha alma é uma cidade fria
O meu pensamento é todo saudade.


A melhor viagem faz-se sozinho
E engano-me e iludo-me
Por não saber o meu caminho...

A tarde está de nevoeiro...
E eu, sou
estrangeiro em casa,
e estrangeiro no estrangeiro

Madrid, 25 Julho de 2008

Belle.

Enquanto a tarde madrilena, quente e seca,
se assomava de nós, eu, sem dar por isso,
assomei-me, distraído, de ti.
Tornaste-te o rio por onde fluíam,
límpidos, os meus desejos.
Desassossegado de mim, quis perder-me na tua pele carne-rosa,
e afagar eternamente os teus caracóis aveludados.

Mas tu... tão coquette!, tão divinamente francesa!,
olhaste-me, desprezível, estéril e fria.
Não me mostraste os teus olhos,
nem entrevi sequer o teu sorriso.
Não nos separavam as mesas que fisicamente nos
separavam, mas sim o gelo do vidro
que magistralmente manténs à tua volta.

Partiste sem encenar um adeus,
como naquele filme que não vi no cinema.
E eu- tantas vezes reles e desajeitado -
não tive senão coragem para nos sonhar...

terça-feira, 22 de julho de 2008

Notas.

Toda a vida é uma viagem de comboio. A partida é uma estação que não conhecemos. Durante a viagem, somente contemplamos, e os outros são a paisagem que nos assola.

Eu leio para estar longe de mim, dos outros e do Mundo. Ler é sonhar.

Estou cansado. Ou talvez esteja apenas a persuadir-me que estou cansado. Não sei se dormirei se adormecer...

Sou uma pessoa estranha. Talvez seja mimado. Talvez seja isso. Mimado por ninguém em especial. Talvez seja mimado por mim próprio, como é típico das pessoas presas a si. Arranjo mil e uma maneiras para afastar as pessoas de quem gosto, para afastar as pessoas com quem quero realmente estar.

Somos todos ridículos. Todos, sem excepção. Quando mais cedo percebermos isto, mais cedo evitaremos qualquer tipo de discriminação. Eu aceito e abraço assim o Mundo, com todos os seus complexos, as suas contradições e ambiguidades.

Sinto-me útil a escrever. A quem? Pelo menos a mim. Invento o meu Mundo aqui. ( O Homem e a sua eterna necessidade de possuir coisas...)

Escrever é não viver.

Poema da minha esperança.

Que bom ter o relógio adiantado!...
A gente assim, por saber
que tem sempre tempo a mais,
não se rala nem se apressa.

O meu sorriso de troça.
Amigos!,
quando vejo o meu relógio
com três quartos de hora a mais!...

Tic-tac...Tic-tac
(Lá pensa ele
que é já o fim dos meus dias.)

Tic-tac...
(Como eu rio, cá p´ra dentro,
de esta coisa divertida:
ele a julgar que é já o resto
e eu a saber que tenho sempre mais
três quartos de hora de vida.)

Sebastião da Gama.

Mercado Negro.

Todo o Mundo é um café
para ver a vida a passar

Vivo a lembrar
o sítio, o lugar, o abrigo
onde me uno apenas comigo.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Ausência.

Fervem-me incógnitas e medos
E já nem sei sentir
O Mundo? Acho-o sem segredos
Tudo o quero é partir.

Abomino toda a hipocrisia
Mas é em mim
Que tenho toda a fantasia
O circo sem fim...

Desisto.
Acabe-se esta tormenta de uma vez!
Tudo isto...
É por ser eu ou por ser Português?

domingo, 20 de julho de 2008

Ontem.

Dá-me a tua mão. Acalma os meus receios.
Deixa-me sentir o doce da tua boca
Não ser eu mais esta indefinição louca!
E poder, eternamente, adormecer em teus seios.

Os meus desejos, os meus objectivos...Lancei-os
ao mar e aos céus! (Num laivo da minha voz rouca
sussurro-te o meu sonho: Ter para sempre a tua boca.)
Afaga-me! Não me deixes só com meus devaneios.

Escuta-me! Ouve esta louca confissão
de quem sabe ter nascido para ser a tua paixão.
Dá-me a tua mão, e diz-me que queres partir.

Escuta-me! Quero ir, contigo ir, apenas ir...
Saber que só contigo sou maior!
E lembrar-te como preciso do teu amor!...

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Homenagem a Camões.

"Através do imitado sentimento,
Ao ler-te, quanta vez tenho sentido
Como é muito maior o amor vivido
Em acto não, mas só em pensamento.

Então invento o que amo e amo o que invento,
Em coisas sem razão tão comovido
Que o ar me falta e o respiro comprimido
Não sei se dá, não sei se tira o alento.

Sabor de amor é esse alto respirar,
Essa angústia em suspiros mal dispersos,
Em amor, que importância tem o ar,

O ar, cheio de fantásticas acções!
Assim, aquele que imitar teus versos,
Primeiro imite o teu amor, Camões."

Dante de Milano.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Ode à quietude.

(Ao jeito de Ricardo Reis)
Digo-te, amor, que nada espero
senão recolher-me na placidez
dos raios de Febo, e fitar, lento,
o curso do rio, sorrindo sem me ser

A vida é curta e passa rápido.
Porquê cultivar paixões, se não espero
colher raiva e impaciência?
Abraça-te a mim, e esqueçamos
o que não seremos. Tomemos gozo
infinito em apreciar o curso indefinido
das coisas, guardando dele nada mais
que a sua vaga memória.

Pintemos, amor, o quadro da
nossa existência, rendidos à beleza
sem fim de somente estarmos.

A vida é curta e passa rápido.
Saibamos gozá-la, na pura e singela
inconsciência do momento
e quando chegar, enfim, a hora
saibamos comprar o bilhete
certo para a barca negra.

On/Off.

Ninguém tira esta dúvida mesquinha
que me atormenta.
Já telefonei três vezes e enviei
dúzias de e-mails, para a direcção geral de não-sei-quê.
Encorajo-me. O telefone
toca e volta a tocar. "O código
do serviço está errado."
O quarto de um homem é o seu reino.
Hoje não devia ter acordado.
Ninguém me tira esta dúvida.
Ninguém me acalma esta indecisão,
sobre um hipotético futuro que não
sei onde mora. Devia não-pensar.
O quarto de um homem é o seu reino.
Quero dormir como quem chora.
E esquecer o futuro que não há...

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Quando eu morrer.

Quando eu morrer quero que digam
Eis o Homem que se esquecia pelo bilhar
Que contornava as rotundas pela esquerda
e subia as escadas em vez de tomar o elevador.

Quando eu morrer quero que façam
uma festa grande. Que tragam muitas bebidas,
riam como doidos e esqueçam o dia de amanhã.

Quando eu morrer não escrevei mais.
Se calhar, escreverão sobre mim
e clamar-me-ão para um e para outro partido.

Quando eu morrer quero que as pessoas digam
"Sim, é isto!" e concluam que concluir
é chegar a lado nenhum.

Quando eu morrer nada disso não terá importância.
Mas não se esqueçam, quando eu morrer
quero uma festa! Muitas bebidas,
risos doidos, sem o dia de amanhã...

domingo, 13 de julho de 2008

Transiberiano.

Desafio: Eu e uma folha vazia.
Vazia como a cor do que julgo sentir.
Desabafo para não gritar.
Escrevo para não sentir.

Paredes brancas, de toda a saudade do Mundo.

(Há uma criança que pergunta para onde fomos nós.
Ela é nós, mas nós já não somos ela.
E ver só um olhar, uma memória fugaz da infância
que não houve.
Pergunto-me se não sou ainda essa criança.
Todas as crianças são más e egoístas...
E nós somos o que não crescemos.)

Chega. Porquê viver se toda a vida é fingir?

Sou todos os clichés que há no Mundo.
Meu Deus, que bocejo enorme que sou...
Que chatice cósmica ser-me.
Que repetição divinamente ensaiada.
Que dejá vu prolixo!

(Verão: a força que falta para não
repetir os gestos esvaídos de alguma alegria.
Verão: não ir para onde todos querem ir.
Verão: negação de ser os outros.
Verão: negação de ser eu.)

Ah, Transiberiano da alma, apanha-me nas ruas
onde não há sentido, e assassina-me de tédio!

sábado, 12 de julho de 2008

A António Aleixo.

"Vós que lá do vosso império/prometeis um mundo novo/
calai-vos, que pode o povo/qu'rer um mundo novo a sério."


Concluir: Viver é sofrer. E tu foste a prova dura

desta horrenda e maldita frase feita.
Penaste em todas as ruas da amargura

No teu caminho não houve senão desgraça e maleita

Não foste homem das Letras, mas a tua lira é singela e pura
avançando mordaz, humilde, mas assim, perfeita.
Para a dor toda do Mundo não descobriste cura,
mas a tua mão contra ela sempre avançou escorreita.

Quer um Deus desconhecido que não haja justiça,
mas culpa de quem, se não se vê senão cobiça?
E em nome da Democracia urge matar...

Ergueste-te, lírico imortal, acima dos teus iguais
E assim, na Arte da vida, juntaste-te aos imortais.
(A vida não é para sofrer. Quem vem querer acreditar?)


sexta-feira, 11 de julho de 2008

Lucidez.

Sinto-me o meu psicólogo
quando dou por mim a escrever
mais um triste monólogo
de quem não sabe o que quer.


Não finjo, nem minto
Não quero mal a ninguém.
Não sei, nem sinto
A alegria do nada-além
...

Tenho tantas incertezas
que me debato até comigo.

Sou um barco de tristezas,
à procura de uma ilha de abrigo.

Nunca soube o que é Amor
e nunca tive senão saudade.
Sou companhia da minha dor.
Que fiz eu de toda a idade?

Debordo-me com a ilusão
de ser grande, principal, útil!
Transbordo na própria noção
de todo o questionar ser fútil...

(Nenhum Homem é necessário)
Vivo para ser o que está a mais
Sou a minha negação, o meu contrário
tresloucado por dúvidas e iras fatais.

Nada mais sou que a minha condição
Amigo fiel de tudo o que não ouso
Coração sem rumo, em navegação
por mares de sentimento difuso!

Mas Coração, que sei eu disso?
Como falar do que não existe?
A minha alma deu sumiço!
Quando a razão lhe disse "Desiste..."

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Espera.

Falhei o único objectivo
que alguma vez tive.
Por que vive quem vive
como eu assim vivo?


Talvez só me persuada
de sequer ter querido!
Rastejando por sentido
Prisioneiro do meu nada.

Sou o que nunca serei!
Fiz o que tinha a fazer
Dói apenas não saber
se estou certo ou errei.

(Quem espera assim
rapidamente desespera.
Porquê se toda a espera
tem o mesmo fim?)

Soneto do trabalho.

Vamos, vamos companheiros! Levar
mais alto o nome de Portugal!
Vamos, vamos criar, lutar, e amar!
e fazer deste povo imortal!


Vamos, vamos erguer a distância
conquistar a terra e o outro mar!
Navegar movidos de ambição e ânsia
É preciso nunca deixar de sonhar!

Vai ser difícil, mas feitos de nobreza
não penaremos na amargura e na tristeza
E levaremos Portugal ao infinito!

(Que voz é que fala de dentro de mim
e me diz que são tudo balelas sem fim
de fraco contento para um povo triste e aflito?!)

domingo, 6 de julho de 2008

Café.

Ontem sonhei que resolvia
de uma só levada, todos os problemas
do Mundo.


Falámos até à luz do dia
de todos os tópicos, de todos os temas.


Nada, nada se intrometia

às soluções para os problemas.


De repente, deitei-me para acordar.
E esfumou-se o sonho fecundo
de um Mundo que parecia funcionar...

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Legado.

O que eu espero, não vem.
Mas ficas tu, leitor, encarregado
De receber o sonho.
Abre-lhe os braços, como se chegasse
O teu pai, do Brasil,
A tua mãe, do céu,
O teu melhor amigo, da cadeia,
Abre-lhe os braços como se quisesses
Abarcar toda a luz que te rodeia.

Não lhe perguntes porque tardou tanto
E não chegou a tempo de me ver.
Uns têm a sina de sonhar a vida,
Outros de a colher.

Miguel Torga.

Destino.

Porque é que Deus
me zomba?

Gritou ela clamando aos céus


Por que o destino
serve mesmo para isso
-Para lhe pormos uma bomba.

Bênção.

Onde estás Deus?
Que eu te procuro
em todos os céus?
Mas só vejo noite
e escuro.


Onde estás Deus?
Quem te demora?
Onde está a justiça dos céus?
Quem te afoite?!
Quando é a hora?


Onde estás que não
te encontro?

Procuro-te por todos os céus!

Dá-me, meu Deus
dá-me a tua bênção!
(Não ser eu
louco e tonto...)

terça-feira, 1 de julho de 2008

Noite.

Depois de quilómetros de solidão por mares de asfalto,
no negrume solidário da noite

Sento-me abeirado ao passeio cinzento, e
apercebo-me que não estou sozinho
quando um carro encadeia os meus
olhos castanhos descrentes, verdes
sem esperança.

-Um gato que mia-

(Extenua-me o cansaço de não me cansar.)

Voar como super-herói,
ao olhar para o Céu estrelado
como a gente da cidade não o
conhece...

Poder.

Há, para mim, tanto poder num livro, como numa arma de destruição maciça.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

5400.

Sentar-me na quarta mesa,
a partir do quadro, de lado para a janela.
Abrir a mochila.
Tirar e abrir livro e caderno.
Contemplar a professora,
saber-lhe os gestos, saber-lhe
as palavras, confessar-lhe mudo
o meu desinteresse.
Atentar no livro, sublinhar o que interessa,
dar a matéria por entendida ou por
ignorada.
Ver, lá fora, pela janela/sonho
outras aldeias...

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Theoria Poiesis Praxis.

Sou como o meu País.
Não funciono.

terça-feira, 24 de junho de 2008

A rotina. (VI)

Para quê se cada dia é a repetição de si mesmo?

O mar de outrora hoje, sempre azul

sempre triste, sempre eterno...
As casas, as mesmas casas,
de mesmas cores, no paraíso

por entre azuis...


Olhares e veres as mesmas caras,
adivinhares o que te vão dizer...
É isto afinal o que é a rotina, por
entre gestos iguais, caras iguais,
frases, expressões, tudo! Tudo insanamente
igual.

Um viver sem ilusão.
Um esperar pelo não se sabe bem o quê.
Para que serve o sonho?
.........................................
Tudo o que quero
é estar sozinho, sem mim...

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Mijando ao Mondego.

Encontrava-me, certo dia, mijando ao Mondego
Celebrando como os outros, a Deusa Minerva
Oh e quão belo, sincero e sagrado sossego
Que senti naquele momento de leda soberba


Mas de repente, já pensando, oh desassossego

d´alma, que havia por contente
. Quanto me enerva
ver os que louvando à Deusa, tamanho desapego

lhe demonstram, preterindo-a por Baco e pela treva

Lamentei a muito má fama e muito triste sina
dos que vivem por contentados, esquecidos do céu
não esperando mais que a parca virtude divina.

E que vivendo na muito nobre cidade do Conhecimento
Deviam por mais ainda, ambicionar como Prometeu
Mas que vivem desperdiçando sua arte e seu talento!

sábado, 21 de junho de 2008

Missão.

Escrevo, lívido de desassossego e tristeza
Ao saber que, humilde e fiel, venho
Cantar um povo que contraria a natureza
humana,
adormecido da lição que dos áureos antepassados emana

Comandado pela loucura que em mim tenho,
rogo aos dois Grandes, a sua arte e o seu engenho!

A Fernão de Magalhães.

À noite, vigia e vela pelo estreito de seu nome,
aquele que veio, na hispânica armada
Sem lealdade, mas português na alma ousada

Conquistar o mar e imortalizar-se em renome.


Roga solitário pela alma dos seus, que a Morte some
À partida, mais de duzentos, dezoito só à chegada
Que para cumprir o sonho da sua alma iluminada

Padeceram de escorbuto e mui grave fome.

Não precisa agora imaginar quão belo o Mundo
se lhe afigura depois do esforço heróico e fecundo

Dele nos fica
o seu sonho e a sua loucura.

Dos que padeceram, não reza deles a História
Deram o corpo e o sacrifício, não tomaram a glória.
Viagem tão amarga, para País tão sem ventura...