Ficção de que começa alguma cousa!
Nada começa: tudo continua.
Na fluída e incerta essência misteriosa
Da vida, flui em sombra a água nua.
Curvas do rio escondem só movimento.
O mesmo rio flui onde se vê.
Começar só começa em pensamento.
Fernando Pessoa.
quinta-feira, 1 de janeiro de 2009
quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
Passagem de Emile Henri.
Era no tempo da palavra papel
da pluma bem comida lançando ideias de justiça aos chineses
da espingarda de ar podre ao ombro de cada um
Depois de ver com os seus próprios olhos como é que o ratazana
toma o seu cházinho
Emile Henri
escritor da literatura da dinamite
lança a segunda bomba à porta do Café Términus
dado que: da má distribuição da riqueza e das coisas boas da Terra
TODOS SEM EXCEPÇÃO TÊM MÁXIMA CULPA
Mário Cesariny.
[É importante foder ( ou não foder)?]
É importante foder( ou não foder)?
É evidente que não, não é importante.
Fode quem fode e não fode quem não quer.
Com isso ninguém tem nada
Mas mesmo nada
A ver.
O que um tanto me tolhe é não poder confiar
Numa coisa que estica e depois encolhe,
Uma coisa que é mole e se põe a endurar e
A dilatar a dilatar
Até não se poder nem deixar andar
Para depois se sumir
E dar vontade de rir e d´ir urinar.
Isso eu quis dizer naquele verso louco que tenho ao pé:
«O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é»
Verso que, como sempre, terá ficado por perceber( por mim até).
.............................................................................
Também aquela do «outrora-agora» e do «ah poder ser tu sendo
eu» foi um bom trabalho
Para continuar tudo co´a cara de caralho
Que todos já tinham e vão continuar a ter
Antes durante e depois de morrer.
Mário Cesariny. ( Toma lá um Cesariny)
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
Resultado nenhum.
Queixas de um utente
Pago os meus impostos, separo
o lixo, já não vejo televisão
há cinco meses, todos os dias
rezo pelo menos duas horas
com um livro nos joelhos,
nunca falho uma visita à família,
utilizo sempre os transportes
públicos, raramente me esqueço
de deixar água fresca no prato
do gato, tento ser correcto
com os meus vizinhos e não cuspo
na sombra dos outros.
Já não me lembro se o médico
me disse ser esta receita a indicada
para salvar o mundo ou apenas
ser feliz. Seja como for,
não estou a ver resultado nenhum.
José Manuel Silva.
terça-feira, 9 de setembro de 2008
Mulheres.
Elas sorriem quando querem gritar.
Elas cantam quando querem chorar
Elas choram quando estão felizes
E riem quando estão nervosas.
Elas brigam por aquilo que acreditam.
Elas levantam-se para injustiça.
Elas não levam "não" como resposta quando
acreditam que existe melhor solução.
Elas andam sem novos sapatos para
suas crianças poder tê-los.
Elas vão ao medico com uma amiga assustada.
Elas amam incondicionalmente.
Elas choram quando suas crianças adoecem
e se alegram quando suas crianças ganham prémios.
Elas ficam contentes quando ouvem sobre
um aniversário ou um novo casamento.
Pablo Neruda.
Diz que sim.
E posto que viver me é excelente
cada vez gosto mais de menos gente.
Agostinho da Silva.
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
Revolta.
Tenho pena de todos aqueles
que não podem sair do mesmo lugar,
São como eu. Mas como em mim viverá neles
o desejo louco de avançar?
Imóvel, quero viver o vento do caminho
os crepúsculos que enebriam, as livres noites de luar,
a vida sem limites, sozinho
ou com quem, por instantes, me quiser acompanhar.
Ó ânsia sempre nova de explorar o Mundo!
P´ra te obedecer entrei assim
na minha alma e não encontrei fundo...
Dizem que o Universo é curvo e lá tem fim.
O meu não tem; ou então é profundo...
Curiosidade maldita! Perdido seja eu que mergulhei em mim!
Jorge de Sena.
segunda-feira, 25 de agosto de 2008
Ítaca.
Quando começares a tua viagem para Ítaca,
reza para que o caminho seja longo,
cheio de aventura e de conhecimento.
Não temas monstros como os Ciclopes ou o zangado Poseidon:
Nunca os encontrarás no teu caminho
enquanto mantiveres o teu espírito elevado,
enquanto uma rara excitação agitar o teu espírito e o teu corpo.
Nunca encontrarás os Ciclopes ou outros monstros
a não ser que os tragas contigo dentro da tua alma,
a não ser que a tua alma os crie em frente a ti.
Deseja que o caminho seja bem longo
para que haja muitas manhãs de verão em que,
com quanto prazer, com tanta alegria,
entres em portos que vês pela primeira vez;
Para que possas parar em postos de comércio fenícios
para comprar coisas finas, madrepérola, coral e âmbar,
e perfumes sensuais de todos os tipos -
tantos quantos puderes encontrar;
e para que possas visitar muitas cidades egípcias
e aprender e continuar sempre a aprender com os seus escolares.
Tem sempre Ítaca na tua mente.
Chegar lá é o teu destino.
Mas não te apresses absolutamente nada na tua viagem.
Será melhor que ela dure muitos anos
para que sejas velho quando chegares à ilha,
rico com tudo o que encontraste no caminho,
sem esperares que Ítaca te traga riquezas.
Ítaca deu-te a tua bela viagem.
Sem ela não terias sequer partido.
Não tem mais nada a dar-te.
E, sábio como te terás tornado,
tão cheio de sabedoria e experiência,
já terás percebido, à chegada, o que significa uma Ítaca.
Konstantínos Kaváfis.
Sem título.
Penso em ti no silêncio da noite, quando tudo é nada,
E os ruídos que há no silêncio são o próprio silêncio,
Então, sozinho de mim, passageiro parado
De uma viagem em Deus, inutilmente penso em ti.
Todo o passado, em que foste um momento eterno,
É como este silêncio de tudo.
Todo o perdido, em que foste o que mais perdi,
É como estes ruídos,
Todo o inútil, em que foste o que não houvera ser
É como o nada por ser neste silêncio nocturno.
Tenho visto morrer, ou ouvido que morrem,
Quantos amei ou conheci,
Tenho visto não saber mais nada deles de tantos que foram
Comigo, e pouco importa se foi um homem ou uma conversa,
Ou um povo omitido do mundo,
E o mundo hoje para mim é um cemitério de noite
Branco e negro de campas e árvores e de luar alheio
E é neste sossego absurdo de mim e de tudo que penso em ti.
Álvaro de Campos.
quinta-feira, 21 de agosto de 2008
Dedicado.
todo o amor do mundo não foi suficiente porque o amor não serve
[de nada. ficaram só
os papéis e a tristeza, ficou só a amargura e a cinza dos cigarros e
[da morte.
os domingos e as noites que passámos a fazer planos não foram
[suficientes e foram
demasiados porque hoje são como sangue no teu rosto, são como
[lágrimas.
sei que nos amámos muito e um dia, quando já não te encontrar em
[cada instante, em cada hora,
não irei negar isso. não irei negar nunca que te amei. nem mesmo
[quando estiver deitado,
nu, sobre os lençóis de outra e ela me obrigar a dizer que a amo
[antes de a foder.
José Luis Peixoto.
segunda-feira, 28 de julho de 2008
Antonio Machado.
"No extraiñes, dulces amigos
que esté mi frente arrugada;
yo vivo en paz con los hombres
y en guerra con mis entrañas."
Proposta de tradução:
"Não estranhem, doces amigos
esta minha face enrugada;
eu vivo em paz com os homens
e em guerra com as minhas entranhas."
"Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
Se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino
sino estelas en la mar."
Proposta de tradução:
"Caminhante, são as tuas pegadas
o caminho, nada mais;
Caminhante, não há caminho.
O caminho faz-se caminhando.
A caminhar se faz o caminho,
e a olhar para trás
vê-se o caminho
que nunca se voltará a pisar.
Caminhante, não há caminho
apenas rastos no mar."
Antonio Machado, Campos de Castela.
terça-feira, 22 de julho de 2008
Poema da minha esperança.
Que bom ter o relógio adiantado!...
A gente assim, por saber
que tem sempre tempo a mais,
não se rala nem se apressa.
O meu sorriso de troça.
Amigos!,
quando vejo o meu relógio
com três quartos de hora a mais!...
Tic-tac...Tic-tac
(Lá pensa ele
que é já o fim dos meus dias.)
Tic-tac...
(Como eu rio, cá p´ra dentro,
de esta coisa divertida:
ele a julgar que é já o resto
e eu a saber que tenho sempre mais
três quartos de hora de vida.)
Sebastião da Gama.
sexta-feira, 18 de julho de 2008
Homenagem a Camões.
"Através do imitado sentimento,
Ao ler-te, quanta vez tenho sentido
Como é muito maior o amor vivido
Em acto não, mas só em pensamento.
Então invento o que amo e amo o que invento,
Em coisas sem razão tão comovido
Que o ar me falta e o respiro comprimido
Não sei se dá, não sei se tira o alento.
Sabor de amor é esse alto respirar,
Essa angústia em suspiros mal dispersos,
Em amor, que importância tem o ar,
O ar, cheio de fantásticas acções!
Assim, aquele que imitar teus versos,
Primeiro imite o teu amor, Camões."
Dante de Milano.
quarta-feira, 2 de julho de 2008
Legado.
O que eu espero, não vem.
Mas ficas tu, leitor, encarregado
De receber o sonho.
Abre-lhe os braços, como se chegasse
O teu pai, do Brasil,
A tua mãe, do céu,
O teu melhor amigo, da cadeia,
Abre-lhe os braços como se quisesses
Abarcar toda a luz que te rodeia.
Não lhe perguntes porque tardou tanto
E não chegou a tempo de me ver.
Uns têm a sina de sonhar a vida,
Outros de a colher.
Miguel Torga.
quarta-feira, 18 de junho de 2008
Língua Portuguesa.
"Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O génio sem ventura e o amor sem brilho!
Olavo Bilac.
quarta-feira, 4 de junho de 2008
Apontamento.
Digam lá que não há coisas bonitas?
Do cd homónimo de 2005, "Apontamento" de Margarida Pinto, vocalista dos Coldfinger.
Vale a pena (re)lembrar e deixar a música em loop constante.
(Descoberto aqui.)
Apontamento
“A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali."
Álvaro de Campos.
terça-feira, 3 de junho de 2008
Clearly Campos.*
Ai, Margarida,
Se eu te desse a minha vida,
Que farias tu com ela?
- Tirava os brincos do prego,
Casava c'um homem cego
E ia morar para a Estrela.
Mas, Margarida,
Se eu te desse a minha vida,
Que diria a tua mãe?
- (Ela conhece-me a fundo.)
Que há muito parvo no mundo,
E que eras parvo também.
E, Margarida,
Se eu te desse a minha vida
No sentido de morrer?
- Eu iria ao teu enterro,
Mas achava que era um erro
Querer amar sem viver.
Mas, Margarida,
Se este dar-te a minha vida
Não fosse senão poesia?
- Então, filho, nada feito.
Fica tudo sem efeito.
Nesta casa não se fia.
Sr. Álvaro Campos em estado
de inconsciência
alcoólica.
segunda-feira, 12 de maio de 2008
Fernando Pessoa.
Uma das cinquenta personalidades que mais teve influência na cultura Europeia.
Justa e merecida homenagem ao poeta das mil faces. Poder-se-ia reclamar a figura de qualquer outro génio português?
Deixo, já agora, o poema do autor com que mais me identifico.
"Tudo que faço ou medito
Fica sempre na metade,
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.
Que nojo de mim me fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúcida e rica,
E eu sou um mar de sargaço-
Um mar onde bóiam lentos
Fragmentos de um mar de além...
Vontades ou pensamentos?
Não o sei e sei-o bem."
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008
A Negreiros. (II)
25+1 PANFLETO SOCIAL
"Eh comunistas! Eh fascistas!
Eu sei, eu sei:
“Não há esconderijo senão nas massas”!
Assim mesmo necessitais de inimigos
Chamais construir: eliminar inimigos."
Almada Negreiros.