Sentar-me na quarta mesa,
a partir do quadro, de lado para a janela.
Abrir a mochila.
Tirar e abrir livro e caderno.
Contemplar a professora,
saber-lhe os gestos, saber-lhe
as palavras, confessar-lhe mudo
o meu desinteresse.
Atentar no livro, sublinhar o que interessa,
dar a matéria por entendida ou por
ignorada.
Ver, lá fora, pela janela/sonho
outras aldeias...
quinta-feira, 26 de junho de 2008
5400.
quarta-feira, 25 de junho de 2008
terça-feira, 24 de junho de 2008
A rotina. (VI)
Para quê se cada dia é a repetição de si mesmo?
O mar de outrora hoje, sempre azul
sempre triste, sempre eterno...
As casas, as mesmas casas,
de mesmas cores, no paraíso
por entre azuis...
Olhares e veres as mesmas caras,
adivinhares o que te vão dizer...
É isto afinal o que é a rotina, por
entre gestos iguais, caras iguais,
frases, expressões, tudo! Tudo insanamente
igual.
Um viver sem ilusão.
Um esperar pelo não se sabe bem o quê.
Para que serve o sonho?
.........................................
Tudo o que quero
é estar sozinho, sem mim...
segunda-feira, 23 de junho de 2008
Mijando ao Mondego.
Encontrava-me, certo dia, mijando ao Mondego
Celebrando como os outros, a Deusa Minerva
Oh e quão belo, sincero e sagrado sossego
Que senti naquele momento de leda soberba
Mas de repente, já pensando, oh desassossego
d´alma, que havia por contente. Quanto me enerva
ver os que louvando à Deusa, tamanho desapego
lhe demonstram, preterindo-a por Baco e pela treva
Lamentei a muito má fama e muito triste sina
dos que vivem por contentados, esquecidos do céu
não esperando mais que a parca virtude divina.
E que vivendo na muito nobre cidade do Conhecimento
Deviam por mais ainda, ambicionar como Prometeu
Mas que vivem desperdiçando sua arte e seu talento!
sábado, 21 de junho de 2008
A Fernão de Magalhães.
À noite, vigia e vela pelo estreito de seu nome,
aquele que veio, na hispânica armada
Sem lealdade, mas português na alma ousada
Conquistar o mar e imortalizar-se em renome.
Roga solitário pela alma dos seus, que a Morte some
À partida, mais de duzentos, dezoito só à chegada
Que para cumprir o sonho da sua alma iluminada
Padeceram de escorbuto e mui grave fome.
Não precisa agora imaginar quão belo o Mundo
se lhe afigura depois do esforço heróico e fecundo
Dele nos fica o seu sonho e a sua loucura.
Dos que padeceram, não reza deles a História
Deram o corpo e o sacrifício, não tomaram a glória.
Viagem tão amarga, para País tão sem ventura...
quinta-feira, 19 de junho de 2008
Saudação a Álvaro de Campos.
Hêi-o-o-o-Hêi-Éiah!
Daqui te saúdo irmão cosmopolita, internacional e cósmico do futurismo!
Daqui te abraço, Álvaro, abraço-te mesmo que saibamos não existir!
Abraço-te, irmão de todas as sensações mundanas, esotéricas e infinitas, irmão das sensações
que nos escapam a todos os segundos de todos os dias, desde que um qualquer Deus
nos largou aqui, sem nenhuma indicação! Sem a nossa autorização!
Partilho contigo, mesmo que sejas ninguém, e mesmo que eu seja ninguém,
todas as náuseas, todos os sonhos, todos as sensações
com-liberdade-de-nos-fugirem! Mesmo que sejamos ninguém!
Tenho frio e calor! Tremo não-sei-de-quê!
Ah! angústia de todas as formalidades que nos abraçam sem querermos.
Entram-me pela cabeça a dentro, do caixote de imagens pérfidas e ignóbeis,
a Irlanda, a Irlanda, Meu Deus!
Que me interessa o país mais católico dos países católicos?
Eu sou cristão, mas esqueci-me da fé!
Ah, angústia de todos os tratados, de todos os sistemas,
de todas as filosofias, da formalidade horrenda da vida!
Brinco contigo, brinco onde não me ouves, mas sentes.
Sim, eu sei que me sentes, irmão na angústia, pai no sentir, órfãos do sentido.
Brinquemos à Poesia, porque ela fica e nós somos nada, com ou sem todos os sonhos do Mundo!
Brinquemos de mãos dadas, ignorantes conscientes da perfídia da civilização!
Ah, anseio pelo dia em que sejamos todos máquinas...
Em que elas olhem por nós, e nós olhemos para elas absurdamente inconscientes de nós e d´elas!
Absolutamente maquinais! Absolutamente rígidos! Absolutamente frios!
Absurdamente absolutos! Absolutamente absurdos!
Infinitamente ignorantes, ignorantes para os gestos maquinais que fazemos sem sermos máquinas!
Bip-bip-bop-bing-bing
Leio as tuas odes, e sei que fui eu que as escrevi.
A minha mão invisível e supérflua guiou-te.
Eu sei-o, e tu também o sabes. Porque somos o mesmo. Somos o sussurro
um do outro, a eras de distância, a quilómetros de guerras, de velocidade,
de dinâmica, de ciências e mezinhas malucas!
( Ó irmão, quem me dera ser um fórmula um, um fórmula um na auto-estrada na vida, completamente despreocupado com os Stop´s, intensamente despreocupado com todas as formalidades aborrecidas,
cada vez mais longe de tudo, cada vez mais longe de mim.
Guiando, guiando febril, guiando apenas, Álvaro.
Ser a velocidade, ser a sensação. Sim, tu, só tu me percebes.)
Vruum-Vruum-Vruum
Guerras, guerras por democracia, guerras por simpatia,
acção, acção, sensação, cóleras, atentados e precipícios.
Pum-Pim-Sensações-Fera-Febre-Febre-Febre
E voos low-cost, e Londres-cidade-ferro, e a 5th Avenue, despreocupada e arrogante!
E crises petrolíferas, obscenamente aborrecidas, de homens dos negócios que não sabem o que é sentir!
Crises, crashs bolsistas, choques pós-modernos, Arte de pernas para o Ar! Éiah!
E McDonalds, fábricas de pessoas-máquinas, em febre de correrem sem saber porquê!
Febre e sorrisos de ardente necessidade de nada!
E Mtv´s, orgia louca de visões, bebedeira estupidamente fenomenal de globalizações,
de convenções, de sejamos o que Deus não quiser!
E digital television,
portable computer,
wireless connection!
So twenty-one century!
PUM!
Grito imortal, para todos os séculos que me faltam viver!
Sorvo a febre, sorvo a loucura, sorvo a morte, sorvo o amor!
E enlouqueço e ardo para a beleza horrenda e maquinal de tudo isto!
Eu sou o ferro, e tu és o ferro. Onde eu sou a sensação, tu és o clímax!
Onde és o fim, eu sou o teu início! Somos a civilização horrenda que adoramos!
Somos máquinas e estamos contentes com isso!
Máquinas!
Heia! Heia! Somos a vertigem! Heia!
Vem, Álvaro descobrir comigo, este Mundo que cantaste!
Dá-me a mão, meu pai, meu irmão, meu sentido!
Percorramos o Mundo, percorramos tudo, menos a nossa alma!
Dançemos, incessantemente, saltemos, pinote ante pinote,
até aos confins do sentido!
O Mundo é para se sentir todo de uma vez!
quarta-feira, 18 de junho de 2008
Língua Portuguesa.
"Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
em que da voz materna ouvi: "meu filho!",
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O génio sem ventura e o amor sem brilho!
Olavo Bilac.
terça-feira, 17 de junho de 2008
Cacos.
Havia uma criança
que olhava por mim.
Olhava-me, descrente e sem esperança.
Perguntou-me, certo dia, onde começa
o meu fim?
Perguntou-me também, onde é que já
não sou eu?
O que é feito do que não há?
Onde é que sou o que não está?
Eu disse-lhe que a criança morreu.
Que o que há são cacos.
Que quem esteve, já não mora.
Contemplei-a, de olhos fracos
irresponsável pelos meus actos
Afastei-me, e vim-me embora...
A rotina. (V)
Sonho a vida da minha janela...
Ardem-me febres e ilusões.
O coração bate, e adormeçe. Ela
vive, e eu estou onde não há soluções.
O sono não vem. A televisão
enche-me de hipocrisias,
feita de medíocres de papelão
loucos de fantasias.
Que faço eu? A vida está lá fora...
........................................
Fugir, fugir, nunca voltar. Agora!
segunda-feira, 16 de junho de 2008
Estradas.
Deita-te na estrada
e contempla o céu.
Reconhece-te como um nada
Tudo o que tens não é teu...
Assim, far-te-ás grande na pequenez
de seres ninguém.
Inerte.
Que cansaço que me vem de lado algum
de quanto menos fazer, mais cansar
de não saber que preguiça, ou que cansaço
ou que inércia, ou que indiferença a tudo!
Morrer com a ideia de que nada foi suficiente...
Mensagem.
Tendo um povo sido imortal
Em mim tristeza não cabe
de ver que querer não sabe
E que vive, por lágrimas de sal
a esperar um qualquer falso Graal
Agridoce pátria, minha amada
Amo-te, com todos os teus defeitos
Vives inconsciente dos teus proveitos
e só da saudade lembrada,
num fogo de ansiedade apagada.
Um mar de azul eterno e triste
Um caldeirão de calma
indiferente, ser sem alma
Império que não existe,
ambicionar que não resiste.
Põe uma bomba no Destino,
pátria amada! Renega o teu Fado,
clama, és tu o Desejado.
Acorda, renasce, nada é Divino
Tudo és tu, em melancólico hino...
Lembra o passado, vê o futuro
Ama, ambiciona, almeja!
Cria-se o Mundo, quando se deseja.
Descobre o horizonte obscuro
Eu serei teu servo, enquanto duro...
Pai.
Pai, só tu sabes o que não és. O que poderias
ser. Sou tudo o que me iluminaste, e o que não
me ensinaste. Já sonhámos amanhãs e utopias
Agora, sonha-los sozinho, e a saudade é canção.
Sei, pai, há momentos, segundos, horas, dias,
em que te custa ser, em que o Mundo é vão...
Mas, pai, agradeço-te. O saber e as alegrias.
Iludo-me especial, mesmo que o Mundo seja Sansão.
(Ilusão é engano, realidade é névoa verdade.
Todo o bulir é inútil, todo o Mundo é saudade...)
Mesmo que sirva de pouco, sou realidade e ilusão.
(Nada é bem, nada é mal. Tudo é igual e relativo.)
Lerão numa tarde, tudo o que fui enquanto vivo.
Ó pai, diz-me afinal há alguma razão?
domingo, 15 de junho de 2008
sábado, 14 de junho de 2008
O homem do violino.
Dormia de faces cansadas, o homem do violino
Tocava antes, para quem o ouvia, um triste fado
mal suportando a sua cruz no caminho caminhado
pregando aos deuses, quiçá, por um melhor destino.
Em movimentos maquinais, o seu melancólico hino
enchia de nada, todos à sua volta. Enlutado,
parecia clamar contra a condição a que estava condenado
"Mais valeria morrer. Quanto mais vivo, mais me fino"
Gritava-o, sem palavras, retidas num eco absurdo
no povo da cidade, que não o ouvia ocupado e surdo.
"Que dor, que fim, que vazio em que imergi."
Talvez dissesse, talvez murmurasse, que é assim
Que para a miséria e para a ignorância não há fim...
Imortalizo-te, homem só, herói sem causa, aqui.
quarta-feira, 11 de junho de 2008
Mãe.
Mãe, não há afinal maior poder que escrever
Enquanto te escrevo, contemplo-te sorrindo
distraída, brincando com o teu ingénuo, lindo
e amado companheiro. Quem nos dera ser
ele, ou como ele. Brincar, dormir, comer
Sonhar acordado e sonhar dormindo
Sem aflições e tormentos, fingindo
a vida, sem nunca a viver ou conhecer...
A realidade dói, sei-o bem. Mas é a desejada.
Para nós é tudo. Para ele é nada.
Ó mãe como queria revelar-te, mostrar-te
O quanto do que sou eu é teu, parte de ti.
Mas reconheço ser mera utopia. O que senti
É o que nunca senti. A eterna promessa: amar-te.
Enterremo-nos a rir.
Os moços e as senhoritas, oh quão era especial
a ocasião!, tardaram na sua limusina
matizada de beije. Vinham vestidos de Portugal
desnudados da arrogância que não ilumina
Decadentes, pecaminosos, ao falso Graal
ambicionaram, julgando-se, virtude que se fina!
importantes, imortais, algo de magistral!
Sorrindo, da sua condição quase divina!
Naquele momento, ó vergonha, ó inveja
ó angústia, imensa, intensa e raivosa
de não ser falso e novo rico. Que seja
assim, pobre, mas lúcido. Sentir
e saber que somos todos a langorosa
miséria em que nos enterramos, a rir!
terça-feira, 10 de junho de 2008
A Manel Cruz.
Num palco lúgrube e ignorado, ouço a tua voz
melódica e apaixonada, num eco doentio
que me enlouquece, em mordaz hino aos sós.
Ó irmão, fazes-me sentir, mas deixas-me frio!
Interrogo-me, extasiado, o que é diferente em nós?
Não nos chega passar inconsequentes como o rio?
Serenos insubmissos de uma Babel feroz
Que torna qualquer destino inútil, vão, baldio...
Viva prova dum povo que se ensurdece e ignora
o génio, familiar à dor de sentir com a razão,
e de não se bastar com a vida . Por agora,
Ouço-te, e vou adormecendo no teu agridoce leito
de palavras, sons, amor, dor e lúcida insatisfação
Sonhando. (Ah, o Mundo é para quem nasceu satisfeito...)
domingo, 8 de junho de 2008
A Piet Mondrian.
por misérias, guerras, violência e absurdo sofrimento
o artista sonha, e cria a sua quimera. Cria-a, desolado
com a tragédia do individualismo, maior tormento
Do espírito. Faz da lúcida verdade, o seu elemento.
A emotividade, o efémero, o acessório, tudo é rejeitado.
Trocado por uma criação livre de qualquer sentimento
fútil e egoísta, na qual só o último bem é almejado.
Pintado de tragédia, o Mundo na sua tela abstracta,
é esplendor de contrastes, tensões, dores e harmonia.
E é somente o universal, que o artista almeja e retrata.
Porque afinal é isto que é a vida, uma tela matizada
de branco, aparentemente sem sentido, nua e vazia
à qual só nós podemos dar a plenitude ambicionada.
sábado, 7 de junho de 2008
A despedida.
É ignóbil, repugnante esta ditadura do tem de ser.
Mas é inútil resistir-lhe.
Três anos.
Tantos pretextos para lembrar.
Agora, neste abalo mínimo no Caminho,
A percorrer. Outra etapa, outro começo, neste Caminho
Que é longo e duro. Mas é nosso.
Nosso, só nosso…
Afinal, há maior gozo que viver?
Três anos.
Lembranças de conflitos, entreajuda, discussões
Sorrisos, mesquinhices, descobertas, paixões
Amores e desamores, competitividade, desavenças
Incoerências, choros e gritos. Amores e desamores.
Escrevo este pequeno texto, que ninguém lembrará,
à beira das lágrimas.
Sentimos agora como lembrar.
Como sonhámos conhecer-nos.
E como sabemos ser, ainda, desconhecidos, desencontrados
No egoísmo que vem do sermos.
Custa.
Mas tem de ser. Seremos grandes, pequenos ou maiores.
Não importa!
Há maior gozo que viver?
E viver (também) é lembrar.
Um breve até já.
Vou até ali lembrar-vos,
E, cheio de promessas vãs,
Nunca vos esquecer…
sexta-feira, 6 de junho de 2008
todas as outras culturas! Nojo da gosma verde e cinzenta
a que se convencionou chamar civilização!
Dormir? Para quê se o sonho é o mesmo que acordado.
Hoje não vou dormir.Hoje estou atento. É o meu
turno. E no meu turno todos adormecem, excepto eu.
Hoje vou estar atento. Atento a este enorme
bocejo ressabiado a que se convencionou chamar
Vida!
-Adormece. Fecha os olhos, devagar e desatento. Há sempre um amanhã.
O Mundo Não se fez para se pensar nele...
(Dormirei. Só hoje, só mais hoje. Porra.
Há demasiados loucos a tentar mudar o Mundo...)
quarta-feira, 4 de junho de 2008
E lembrei-me que, ocasionalmente, penso.
-Pena que não seja actividade tributável, que entre p´ro
Apontamento.
Digam lá que não há coisas bonitas?
Do cd homónimo de 2005, "Apontamento" de Margarida Pinto, vocalista dos Coldfinger.
Vale a pena (re)lembrar e deixar a música em loop constante.
(Descoberto aqui.)
Apontamento
“A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali."
Álvaro de Campos.
terça-feira, 3 de junho de 2008
A Jorge Grave.
Tu, amigo, mesmo não sabendo, és poeta.
Foste, és e serás o meu maior companheiro
Apoio, de ombros crentes, por descrente nevoeiro
Mas eu sou somente uma miragem que não se detecta.
Sou apenas poesia incompetente e prosa incompleta...
Conseguir ser-me! mas ser-te como és inteiro
e completo. A ataraxia, como valor primeiro
Sem qualquer paixão, crença ou desejo pateta.
Era esse o meu sonho, o meu único objectivo
Não este maelstrom de não saber a que vivo!
Mas sei bem, amigo, nem vencido, nem derrotado
Ao aceitar e rir do absurdo, morrerei com a poesia
Rir-me-ei muito, absurdamente mesmo, e nesse dia
Jurarei que vivi, e segredar-te-ei, -Obrigado.
Tornei-me chato. É inevitável, quando se tem um objectivo forte, muito forte. O homem torna-se o seu objectivo. Altera as suas atitudes, comportamentos, valores até!
Sei ser preciso lutar pelas coisas, pelos objectivos, pelo sentido. Não é crença, nem acreditar, é certeza. Mas no meio de todo este processo, de todas estas alterações, e mesmo que o objectivo seja concretizado, o que se perde de nós?
Clearly Campos.*
Ai, Margarida,
Se eu te desse a minha vida,
Que farias tu com ela?
- Tirava os brincos do prego,
Casava c'um homem cego
E ia morar para a Estrela.
Mas, Margarida,
Se eu te desse a minha vida,
Que diria a tua mãe?
- (Ela conhece-me a fundo.)
Que há muito parvo no mundo,
E que eras parvo também.
E, Margarida,
Se eu te desse a minha vida
No sentido de morrer?
- Eu iria ao teu enterro,
Mas achava que era um erro
Querer amar sem viver.
Mas, Margarida,
Se este dar-te a minha vida
Não fosse senão poesia?
- Então, filho, nada feito.
Fica tudo sem efeito.
Nesta casa não se fia.
Sr. Álvaro Campos em estado
de inconsciência
alcoólica.
segunda-feira, 2 de junho de 2008
Os dias são de quem os vive.
Todos os dias são meus. Todos os dias são de quem os vive.
Intensamente tristes, loucamente vagarosos, constantemente inconstantes, estupidamente eufóricos,
hiperbolicamente alegres todos os dias, são dias em que se vive. Dias de quem os vive.
Sem que nada ou ninguém tenha a ver com isso! NADA a ver com isso!
Sim, somos todos ridículos, desperdiçando ou aproveitando os dias, a vida, o tempo
da maneira que entendermos, sem que nada ou ninguém tenha a ver com isso!
Os dias são ridículos, as pessoas são ridículas, o tempo...
Nem sequer vou falar do conceito mais relativo dos conceitos relativos...
Mas mais ridícula é a ingénua ou esclarecida pretensão que as pessoas têm de nos
quererem fazer viver da maneira que eles, a companhia querem que nós vivamos.
Se há coisas ridículas!... Aceitem, ó da companhia que os dias são de quem os vive;
que somos todos ridículos, mas há uns ridículos, de entre todos os ridículos que ficam para a História;
e que a beleza do Mundo, se a há, é esta. Sermos donos e senhores do mais ínfimo segundo que vivemos.
É esta a beleza, o sonho, a quimera, e eu aceito-a, e abraço-a com muita força
para que os outros não me queiram sequer persuadir de não ser esta a maior verdade do Universo...
A Fernando Pessoa.
A mim, basta-me o pouco de me bastares
Mas é enorme, inarrável, pútrida a minha dor
De não ser inteiro, ó lírico Adamastor
E de sentido e sentir só tu me dares....
(Se bastasse a cada homem, ser maior
do que é!) Tu percorrias-te, por infindáveis mares.
Encontravas-te, em sonhos de outros lugares
Na hetorónomia de outros mundos com valor...
Mas são tudo sonhos vãos, e é na escrita
que me refugio, que me escondo, e me revejo
Mesmo que até ela seja desnecessária e maldita.
Leio-te, saúdo-te, e cada vez menos sou eu
Que lesses este soneto, era o meu único desejo
Poder, companheiro, ouvir a tua voz no céu!
Perguntar faz sempre bem.
P´ra que raio fiz eu esta canção?"-Manel Cruz.
Para que te faço eu esta estúpida canção,
Se sei que não mais vou ter o teu amor?
Para quê? Se todo o destino é em vão?
Para quê? Se não sei onde dói a dor?
Para quê? Se não guardas alguma recordação
E matas-me a dizer "Esquece-me, por favor."
Para quê? Se não encontro nenhuma razão
para morrer de tédio e viver de horror...
Para quê? Se todo o objectivo é maldito?
Para quê? Se todo o Mundo é papel sem valor?
Para quê? Se não se vislumbra especial fito?
Para quê? Se já nem sei mais o que sinto
Para quê? Se sorvo a vida, e a sinto sem sabor
Para quê? Se já não sei se me vivo ou me minto...
domingo, 1 de junho de 2008
Vivo no fumo denso da ansiedade
Esperando frutos ternos, mas não merecidos
Com olhos lânguidos, empobrecidos
de sonhos e fracos de sobriedade...
Não, não guardo de nada, saudade!
(Somente gestos parvos, irreflectidos
Coisas sem particulares sentidos
Feitas de descrente curiosidade...)
(A felicidade é apenas uma louca utopia
Que nos ilude, quando não nos corrói
Tudo mais somos nós e a poesia)
...............................................
Este é só mais um soneto dolente
De um homem que não sabe onde dói
E que vive para se perder eternamente.