quinta-feira, 31 de julho de 2008

É verdade.

Adoro fracassar para escrever sobre isso.

Dia feliz.

Foi um dia luminoso,
aquele em que me apercebi
que não precisava de viver,
nem sequer de ser feliz.

Que se resolveria se eu fosse feliz?

Munido por esta não-resposta,
Criarei, por mim e pela Humanidade,
assolado pela dúvida: Como ser
original num Mundo onde já foi tudo dito?
Criarei, não-vivendo, procurando não-morrer.
Criarei, com o solo objectivo de aproximar
a humanidade do Humano.

Quero morrer no dia em que não tiver
mais nada para dizer.
Entretanto, preciso de génio,
e não de nome.

Razoável.

Uma razão para ler um livro: falar contigo.
Uma razão para escreveres: falares contigo.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Lamúria rápida.

Que sei eu da vida para me queixar dela?

Queixume impaciente.

Tenho saudades do futuro.

Podridão.

(Resposta à Bárbara)

A noite. Cismo, medito, quase enlouqueço!
Podridão, cara amiga, sempre a houve!
Debato-me comigo, vagueio, entonteço
Clamando a Deus, sabendo que não me ouve

Ah, fina-se a humanidade! A que preço?
Seremos algo que se louve?
O frio. Amiga, quase que me esqueço
de mim. O bem, será que algum houve?

Mas porque enquanto houvermos, o Mundo não pára
Cá estaremos para ir pondo o dedo na ferida
Nadando sempre contra a corrente

Inquietos na inquietação permanente
desta loucura a que se convencionou chamar vida
Fazendo da poesia, arma da paz, como o grande Victor Jara!

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Antonio Machado.

"No extraiñes, dulces amigos
que esté mi frente arrugada;
yo vivo en paz con los hombres
y en guerra con mis entrañas."


Proposta de tradução:
"Não estranhem, doces amigos
esta minha face enrugada;
eu vivo em paz com os homens
e em guerra com as minhas entranhas."


"Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
Se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino
sino estelas en la mar."

Proposta de tradução:
"Caminhante, são as tuas pegadas
o caminho, nada mais;
Caminhante, não há caminho.
O caminho faz-se caminhando.
A caminhar se faz o caminho,
e a olhar para trás
vê-se o caminho
que nunca se voltará a pisar.
Caminhante, não há caminho
apenas rastos no mar."

Antonio Machado, Campos de Castela.

Voar.

O dia límpido.

Pergunto a um passarinho
porque voa,
mas ele não responde...

domingo, 27 de julho de 2008

Fui.

De viagem em viagem
-Perdido de mim
Sou apenas a paisagem...

Das Portas do Sol à Gran Via
vou mendigando a quem passa
por um pouco de alegria...

Formiga no infinito da cidade
A minha alma é uma cidade fria
O meu pensamento é todo saudade.


A melhor viagem faz-se sozinho
E engano-me e iludo-me
Por não saber o meu caminho...

A tarde está de nevoeiro...
E eu, sou
estrangeiro em casa,
e estrangeiro no estrangeiro

Madrid, 25 Julho de 2008

Belle.

Enquanto a tarde madrilena, quente e seca,
se assomava de nós, eu, sem dar por isso,
assomei-me, distraído, de ti.
Tornaste-te o rio por onde fluíam,
límpidos, os meus desejos.
Desassossegado de mim, quis perder-me na tua pele carne-rosa,
e afagar eternamente os teus caracóis aveludados.

Mas tu... tão coquette!, tão divinamente francesa!,
olhaste-me, desprezível, estéril e fria.
Não me mostraste os teus olhos,
nem entrevi sequer o teu sorriso.
Não nos separavam as mesas que fisicamente nos
separavam, mas sim o gelo do vidro
que magistralmente manténs à tua volta.

Partiste sem encenar um adeus,
como naquele filme que não vi no cinema.
E eu- tantas vezes reles e desajeitado -
não tive senão coragem para nos sonhar...

terça-feira, 22 de julho de 2008

Notas.

Toda a vida é uma viagem de comboio. A partida é uma estação que não conhecemos. Durante a viagem, somente contemplamos, e os outros são a paisagem que nos assola.

Eu leio para estar longe de mim, dos outros e do Mundo. Ler é sonhar.

Estou cansado. Ou talvez esteja apenas a persuadir-me que estou cansado. Não sei se dormirei se adormecer...

Sou uma pessoa estranha. Talvez seja mimado. Talvez seja isso. Mimado por ninguém em especial. Talvez seja mimado por mim próprio, como é típico das pessoas presas a si. Arranjo mil e uma maneiras para afastar as pessoas de quem gosto, para afastar as pessoas com quem quero realmente estar.

Somos todos ridículos. Todos, sem excepção. Quando mais cedo percebermos isto, mais cedo evitaremos qualquer tipo de discriminação. Eu aceito e abraço assim o Mundo, com todos os seus complexos, as suas contradições e ambiguidades.

Sinto-me útil a escrever. A quem? Pelo menos a mim. Invento o meu Mundo aqui. ( O Homem e a sua eterna necessidade de possuir coisas...)

Escrever é não viver.

Poema da minha esperança.

Que bom ter o relógio adiantado!...
A gente assim, por saber
que tem sempre tempo a mais,
não se rala nem se apressa.

O meu sorriso de troça.
Amigos!,
quando vejo o meu relógio
com três quartos de hora a mais!...

Tic-tac...Tic-tac
(Lá pensa ele
que é já o fim dos meus dias.)

Tic-tac...
(Como eu rio, cá p´ra dentro,
de esta coisa divertida:
ele a julgar que é já o resto
e eu a saber que tenho sempre mais
três quartos de hora de vida.)

Sebastião da Gama.

Mercado Negro.

Todo o Mundo é um café
para ver a vida a passar

Vivo a lembrar
o sítio, o lugar, o abrigo
onde me uno apenas comigo.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Ausência.

Fervem-me incógnitas e medos
E já nem sei sentir
O Mundo? Acho-o sem segredos
Tudo o quero é partir.

Abomino toda a hipocrisia
Mas é em mim
Que tenho toda a fantasia
O circo sem fim...

Desisto.
Acabe-se esta tormenta de uma vez!
Tudo isto...
É por ser eu ou por ser Português?

domingo, 20 de julho de 2008

Ontem.

Dá-me a tua mão. Acalma os meus receios.
Deixa-me sentir o doce da tua boca
Não ser eu mais esta indefinição louca!
E poder, eternamente, adormecer em teus seios.

Os meus desejos, os meus objectivos...Lancei-os
ao mar e aos céus! (Num laivo da minha voz rouca
sussurro-te o meu sonho: Ter para sempre a tua boca.)
Afaga-me! Não me deixes só com meus devaneios.

Escuta-me! Ouve esta louca confissão
de quem sabe ter nascido para ser a tua paixão.
Dá-me a tua mão, e diz-me que queres partir.

Escuta-me! Quero ir, contigo ir, apenas ir...
Saber que só contigo sou maior!
E lembrar-te como preciso do teu amor!...

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Homenagem a Camões.

"Através do imitado sentimento,
Ao ler-te, quanta vez tenho sentido
Como é muito maior o amor vivido
Em acto não, mas só em pensamento.

Então invento o que amo e amo o que invento,
Em coisas sem razão tão comovido
Que o ar me falta e o respiro comprimido
Não sei se dá, não sei se tira o alento.

Sabor de amor é esse alto respirar,
Essa angústia em suspiros mal dispersos,
Em amor, que importância tem o ar,

O ar, cheio de fantásticas acções!
Assim, aquele que imitar teus versos,
Primeiro imite o teu amor, Camões."

Dante de Milano.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Ode à quietude.

(Ao jeito de Ricardo Reis)
Digo-te, amor, que nada espero
senão recolher-me na placidez
dos raios de Febo, e fitar, lento,
o curso do rio, sorrindo sem me ser

A vida é curta e passa rápido.
Porquê cultivar paixões, se não espero
colher raiva e impaciência?
Abraça-te a mim, e esqueçamos
o que não seremos. Tomemos gozo
infinito em apreciar o curso indefinido
das coisas, guardando dele nada mais
que a sua vaga memória.

Pintemos, amor, o quadro da
nossa existência, rendidos à beleza
sem fim de somente estarmos.

A vida é curta e passa rápido.
Saibamos gozá-la, na pura e singela
inconsciência do momento
e quando chegar, enfim, a hora
saibamos comprar o bilhete
certo para a barca negra.

On/Off.

Ninguém tira esta dúvida mesquinha
que me atormenta.
Já telefonei três vezes e enviei
dúzias de e-mails, para a direcção geral de não-sei-quê.
Encorajo-me. O telefone
toca e volta a tocar. "O código
do serviço está errado."
O quarto de um homem é o seu reino.
Hoje não devia ter acordado.
Ninguém me tira esta dúvida.
Ninguém me acalma esta indecisão,
sobre um hipotético futuro que não
sei onde mora. Devia não-pensar.
O quarto de um homem é o seu reino.
Quero dormir como quem chora.
E esquecer o futuro que não há...

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Quando eu morrer.

Quando eu morrer quero que digam
Eis o Homem que se esquecia pelo bilhar
Que contornava as rotundas pela esquerda
e subia as escadas em vez de tomar o elevador.

Quando eu morrer quero que façam
uma festa grande. Que tragam muitas bebidas,
riam como doidos e esqueçam o dia de amanhã.

Quando eu morrer não escrevei mais.
Se calhar, escreverão sobre mim
e clamar-me-ão para um e para outro partido.

Quando eu morrer quero que as pessoas digam
"Sim, é isto!" e concluam que concluir
é chegar a lado nenhum.

Quando eu morrer nada disso não terá importância.
Mas não se esqueçam, quando eu morrer
quero uma festa! Muitas bebidas,
risos doidos, sem o dia de amanhã...

domingo, 13 de julho de 2008

Transiberiano.

Desafio: Eu e uma folha vazia.
Vazia como a cor do que julgo sentir.
Desabafo para não gritar.
Escrevo para não sentir.

Paredes brancas, de toda a saudade do Mundo.

(Há uma criança que pergunta para onde fomos nós.
Ela é nós, mas nós já não somos ela.
E ver só um olhar, uma memória fugaz da infância
que não houve.
Pergunto-me se não sou ainda essa criança.
Todas as crianças são más e egoístas...
E nós somos o que não crescemos.)

Chega. Porquê viver se toda a vida é fingir?

Sou todos os clichés que há no Mundo.
Meu Deus, que bocejo enorme que sou...
Que chatice cósmica ser-me.
Que repetição divinamente ensaiada.
Que dejá vu prolixo!

(Verão: a força que falta para não
repetir os gestos esvaídos de alguma alegria.
Verão: não ir para onde todos querem ir.
Verão: negação de ser os outros.
Verão: negação de ser eu.)

Ah, Transiberiano da alma, apanha-me nas ruas
onde não há sentido, e assassina-me de tédio!

sábado, 12 de julho de 2008

A António Aleixo.

"Vós que lá do vosso império/prometeis um mundo novo/
calai-vos, que pode o povo/qu'rer um mundo novo a sério."


Concluir: Viver é sofrer. E tu foste a prova dura

desta horrenda e maldita frase feita.
Penaste em todas as ruas da amargura

No teu caminho não houve senão desgraça e maleita

Não foste homem das Letras, mas a tua lira é singela e pura
avançando mordaz, humilde, mas assim, perfeita.
Para a dor toda do Mundo não descobriste cura,
mas a tua mão contra ela sempre avançou escorreita.

Quer um Deus desconhecido que não haja justiça,
mas culpa de quem, se não se vê senão cobiça?
E em nome da Democracia urge matar...

Ergueste-te, lírico imortal, acima dos teus iguais
E assim, na Arte da vida, juntaste-te aos imortais.
(A vida não é para sofrer. Quem vem querer acreditar?)


sexta-feira, 11 de julho de 2008

Lucidez.

Sinto-me o meu psicólogo
quando dou por mim a escrever
mais um triste monólogo
de quem não sabe o que quer.


Não finjo, nem minto
Não quero mal a ninguém.
Não sei, nem sinto
A alegria do nada-além
...

Tenho tantas incertezas
que me debato até comigo.

Sou um barco de tristezas,
à procura de uma ilha de abrigo.

Nunca soube o que é Amor
e nunca tive senão saudade.
Sou companhia da minha dor.
Que fiz eu de toda a idade?

Debordo-me com a ilusão
de ser grande, principal, útil!
Transbordo na própria noção
de todo o questionar ser fútil...

(Nenhum Homem é necessário)
Vivo para ser o que está a mais
Sou a minha negação, o meu contrário
tresloucado por dúvidas e iras fatais.

Nada mais sou que a minha condição
Amigo fiel de tudo o que não ouso
Coração sem rumo, em navegação
por mares de sentimento difuso!

Mas Coração, que sei eu disso?
Como falar do que não existe?
A minha alma deu sumiço!
Quando a razão lhe disse "Desiste..."

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Espera.

Falhei o único objectivo
que alguma vez tive.
Por que vive quem vive
como eu assim vivo?


Talvez só me persuada
de sequer ter querido!
Rastejando por sentido
Prisioneiro do meu nada.

Sou o que nunca serei!
Fiz o que tinha a fazer
Dói apenas não saber
se estou certo ou errei.

(Quem espera assim
rapidamente desespera.
Porquê se toda a espera
tem o mesmo fim?)

Soneto do trabalho.

Vamos, vamos companheiros! Levar
mais alto o nome de Portugal!
Vamos, vamos criar, lutar, e amar!
e fazer deste povo imortal!


Vamos, vamos erguer a distância
conquistar a terra e o outro mar!
Navegar movidos de ambição e ânsia
É preciso nunca deixar de sonhar!

Vai ser difícil, mas feitos de nobreza
não penaremos na amargura e na tristeza
E levaremos Portugal ao infinito!

(Que voz é que fala de dentro de mim
e me diz que são tudo balelas sem fim
de fraco contento para um povo triste e aflito?!)

domingo, 6 de julho de 2008

Café.

Ontem sonhei que resolvia
de uma só levada, todos os problemas
do Mundo.


Falámos até à luz do dia
de todos os tópicos, de todos os temas.


Nada, nada se intrometia

às soluções para os problemas.


De repente, deitei-me para acordar.
E esfumou-se o sonho fecundo
de um Mundo que parecia funcionar...

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Legado.

O que eu espero, não vem.
Mas ficas tu, leitor, encarregado
De receber o sonho.
Abre-lhe os braços, como se chegasse
O teu pai, do Brasil,
A tua mãe, do céu,
O teu melhor amigo, da cadeia,
Abre-lhe os braços como se quisesses
Abarcar toda a luz que te rodeia.

Não lhe perguntes porque tardou tanto
E não chegou a tempo de me ver.
Uns têm a sina de sonhar a vida,
Outros de a colher.

Miguel Torga.

Destino.

Porque é que Deus
me zomba?

Gritou ela clamando aos céus


Por que o destino
serve mesmo para isso
-Para lhe pormos uma bomba.

Bênção.

Onde estás Deus?
Que eu te procuro
em todos os céus?
Mas só vejo noite
e escuro.


Onde estás Deus?
Quem te demora?
Onde está a justiça dos céus?
Quem te afoite?!
Quando é a hora?


Onde estás que não
te encontro?

Procuro-te por todos os céus!

Dá-me, meu Deus
dá-me a tua bênção!
(Não ser eu
louco e tonto...)

terça-feira, 1 de julho de 2008

Noite.

Depois de quilómetros de solidão por mares de asfalto,
no negrume solidário da noite

Sento-me abeirado ao passeio cinzento, e
apercebo-me que não estou sozinho
quando um carro encadeia os meus
olhos castanhos descrentes, verdes
sem esperança.

-Um gato que mia-

(Extenua-me o cansaço de não me cansar.)

Voar como super-herói,
ao olhar para o Céu estrelado
como a gente da cidade não o
conhece...

Poder.

Há, para mim, tanto poder num livro, como numa arma de destruição maciça.